De início, começarei abordando o conceito de estabelecimento empresarial para que tudo faça sentido ao final.
É corriqueiro as pessoas entenderem por estabelecimento empresarial, o local ou um imóvel onde funciona um comércio, contudo, esse é o conceito de ponto comercial que, na verdade, é um dos elementos que compõem o estabelecimento empresarial.
O que é, então, o estabelecimento empresarial? Segundo a doutrina empresarial, estabelecimento empresarial é o conjunto de bens materiais (cadeira, mesa, computadores, mercadorias, estoques etc) e imateriais (marca, nome empresarial, ponto comercial etc) organizados pelos empresários para o exercício de uma atividade econômica organizada.
Sendo assim, um estabelecimento empresarial pode se tornar objeto de negócios jurídicos definitivos (alienação), sendo necessário, nesse caso, o contrato de trespasse. Assim, ao contrato de alienação do estabelecimento empresarial dá-se o nome de Trespasse.
Em outras palavras, o contrato de trespasse é o documento pelo qual se transfere a titularidade do estabelecimento no seu todo de um empresário ou sociedade empresária para outro empresário ou sociedade empresária, isto é, o contrato de trespasse nada mais é que um contrato que regulamenta a compra e venda do estabelecimento empresarial.
Existem algumas regras que precisam ser observadas a fim de que o empresário ou sociedade empresária não tenham “dor de cabeça” futura:
- Formalidades: como o estabelecimento é a principal garantia dos credores, razão pela qual sua alienação, para que seja eficaz perante terceiros, deve observar formalidades específicas, como a averbação na Junta Comercial e a publicação no DOE. A publicação será dispensada no caso de Trespasse de estabelecimento de ME ou EPP.
Ainda, deve-se observar se o alienante possui bens suficientes para solver o passivo deixado pela empresa. No caso de inexistência de bens suficientes, a alienação somente será eficaz diante de terceiros com a concordância tácita ou expressa dos credores, até 30 dias após a notificação, ou pagamento antecipado das dívidas. O desrespeito à notificação pode configurar atos de falência.
- Responsabilidade pelas dívidas contraídas antes do trespasse:
A responsabilidade pelas dívidas contraídas antes do trespasse é do adquirente do estabelecimento, desde que as mesmas estejam regularmente contabilizadas.
Conforme previsão na legislação civil, o alienante responde solidariamente pelas dívidas durante um ano, segundo essa regra: em se tratando de dívidas vencidas, conta-se um ano a partir da publicação da transmissão do estabelecimento; referindo-se a dívidas vincendas, conta-se um ano a partir da data do vencimento de cada uma.
- Responsabilidade pelas dívidas trabalhistas:
No caso dos contratos de trabalho, em virtude da sucessão trabalhista, quem assume as obrigações, mesmo que não contabilizadas, é o adquirente, conforme determinam os arts. 10. e 448. da CLT, já que houve sucessão empresarial, restará apenas ao adquirente, cobrar regressivamente do alienante, se houver previsão no contrato de Trespasse.
Além da responsabilidade do adquirente, o alienante responderá solidariamente, em caso de fraude no trespasse (art. 942, do CC).
- Responsabilidade pelas dívidas fiscais:
Nas dívidas fiscais, o adquirente responde pela totalidade das obrigações, se o alienante cessou sua atividade econômica. Mas o adquirente responderá subsidiariamente, se o alienante prosseguir na exploração da atividade econômica ou iniciá-la em até seis meses da alienação (art. 133, CTN).
- Responsabilidade pelas dívidas na falência e na recuperação de empresas:
Segundo a Lei de Falência e a posição do Supremo Tribunal Federal, a aquisição do estabelecimento empresarial, dentro da falência, está isenta de qualquer ônus. No mesmo sentido ocorre com a recuperação judicial.
Assim, na aquisição de estabelecimento da falência e na recuperação de empresas, o adquirente não responde pelos encargos trabalhistas e tributários.
- Cláusula de não concorrência:
Evitando-se que o alienante, ao vender o estabelecimento, se restabeleça na mesma atividade e acabe desviando a clientela que foi negociada com o trespasse, ensejando uma redução do aviamento, é possível proibir o restabelecimento na mesma atividade, numa determinada região de atuação.
O art. 1.147, do CC, encampou a tese de que a cláusula de não restabelecimento é uma cláusula implícita no contrato de trespasse, proibindo que o alienante se restabeleça na mesma atividade nos 5 anos que se seguirem à transferência, salvo expressa autorização no contrato.
Portanto, se o adquirente do estabelecimento verificar a violação da cláusula de não restabelecimento, contratualmente prevista, ou na omissão pelo prazo de 5 anos, poderá ingressar com uma ação de obrigação de não fazer contra o alienante, além de pedir o ressarcimento pelos prejuízos causados.
- Sub-rogação contratual:
Em geral, o trespasse importa em sub-rogação dos contratos estipulados para a exploração do estabelecimento. Para que a sucessão dos contratos ocorra, é imprescindível que tenha relação com a atividade empresarial, e que não tenha caráter pessoal, p. ex., mandato (art. 1.148, CC).
E respeitando a livre contratação, faculta ao terceiro contratado, a rescisão do contrato no prazo de noventa dias, a partir do ato de publicidade do negócio se resultar em justa causa, ou seja, quando houver mudanças nos termos da contratação, por exemplo.
Quanto aos devedores, o trespasse só produzirá efeitos a partir de sua publicação, mas se os devedores efetuarem o pagamento ao alienante ficarão isentos da obrigação, tendo agido de boa-fé, restando ao adquirente cobrar o pagamento do alienante (art. 1.149, CC).
Percebe-se que o Trespasse é um instituto “recheado” de peculiaridade e variáveis. Há a necessidade de cautela frente aos desdobramentos do caso concreto, logo, se faz indispensável à presença de um advogado de confiança para orientar as partes envolvidas nesta transação, pois serão muitos documentos como das áreas tributária, trabalhista e cível a serem analisados para não comprometer a prática da atividade empresarial.
Este material foi elaborado para fins de informação e debate e não deve ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.